No More Takes: Antonio Tabucchi: 1943-2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Antonio Tabucchi: 1943-2012



Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta cosa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!


Tabacaria
Àlvaro de Campos

Um italiano morreu ontem no Hospital da Cruz Vermelha em Lisboa. Contava 63 anos. Causa do óbito: doença prolongada. O chauvismo misturado com bom senso leva-nos a crer que é mais provável um português morrer em solo português, e aplicando o mesmo raciocínio, um italiano em Itália. Mas como a premissa do mistério policial já foi quebrado, ao ser tornada pública a causa de morte, resta-nos tentar entender esse enigma maior do êxodo do italiano agora desaparecido até ao rectângulo mais ocidental da Europa.



Sabemos que nasceu em Piza, num ano entalado pela 2ª Guerra Mundial, e que na adolescência se dedicou ao estudo da Literatura e da Filosofia. Algures nas suas deambulações pela Europa trilhando as pegadas dos seus escritores favoritos, o andarilho passou os olhos por uma tradução francesa do poema intitulado Tabacaria, quem sabe se assinado por Álvaro de Campos ou pelo Outro que por vezes dava à costa em Lisboa. O rastilho do encanto pegou fogo na mente do então jovem italiano. Não sabemos se ardeu em lumo brando ou em labareda intensa. Inferimos a segunda pela sua visita posterior a Lisboa, a aprendizagem da língua portuguesa e o casamento com uma nativa.

Entretanto, o senhor Tabucchi meteu mãos às palavras do Poeta, conheceu-lhe os contornos e verteu-as para o seu italiano natal. Mas nem só de traduções viveu este novo transeunte do bairro pessoano. Também escreveu livros. Talvez o mais conhecido nestas paragens seja Afirma Pereira, a história de um jornalista que serve de pretexto para retratar a existência num sistema político fascista. A par da defesa da liberdade de expressão, intui-se aqui, como noutras obras, a predilecção do senhor António Tabucchi pelas personalidades fragmentadas, quebradas por dúvidas, que revolvem a espuma dos dias pranhas de incerteza.

E assim, peça após peça, até parece que há um fio condutor que liga a Tabacaria e os temas da despersonalização às páginas escritas pelo autor. Talvez. Ou talvez, seja só um equívoco induzido por esta nossa tendência inveterada para dar à ordem ao caos. Vemo-nos consistentemente.

Ao senhor Tabucchi devemos mais do que um punhado de óptimos livros e outras quantas traduções. Devemos-lhe  um olhar renovado perante a nossa cultura e a busca pelo contraditório que habita o espírito humano.

Felizmente, resta-nos os seus livros para o revisitar.


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