No More Takes: Inteligência(s)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Inteligência(s)

A notícia saiu no Público no dia 11 deste mês: o psicólogo Howard Gardner ganhou o Prémio Príncipe das Astúrias das Ciências Sociais 2001. Gardner é o teórico por detrás da teoria das inteligências múltiplas, apresentada em 1983.


A teoria conceptualiza a inteligência não como uma unidade monolítica, mas como habilidades cognitivas. São oito as habilidades propostas: linguística, lógico-matemática, corporal-cinestésica, musical, espacial, naturalista, intepessoal e intrapessoal.

Num claro afastamento em relação aos métodos quantitativos prevalecentes na tradição científica anglo-saxónica, Gardner enfatiza a integração no ambiente do comportamento inteligente das pessoas. Em convergência com esta visão, a sua teoria critica a avaliação da inteligência através de testes de QI.

O reconhecimento do contributo de Gardner para o debate sobre a inteligência tem o mérito de mostrar que existem questões em aberto neste domínio.


Mas afinal, o que é a inteligência? E como a havemos de medir? Se à partida, definir a inteligência parece ser uma tarefa relativamente simples, já medi-la é um bico de obra. Mas já lá vamos.

A visão tradicional de uma pessoa inteligente é a de um indivíduo com capacidade para resolver problemas, raciocinar com lógica, detentor de um manacial considerável de informação em memória, passível de ser aplicada em questões complexas, e para além disso, demonstrar desempenhos consistentes nos diferentes ambientes em que se move. Sherlock Holmes encaixa bem nesta definição (podem antes escolher o House, quando a mim uma cópia coxa do inquilino da 221B Baker Street).

A ideia de possuir um algoritmo que permitisse calcular a inteligência de qualquer pessoa tem um poder encantatório. Quem não gostaria de perceber como as pessoas inteligentes resolvem problemas? Sabendo que o traço ser inteligente é altamente sobrestimado - todas as pessoa se têm como inteligentes -, saber como melhorar esse atributo caia que nem ginjas.

Há outras duas questões sensíveis neste debate. A primeira tem que ver com o aperfeiçoamento das sociedades, ou melhor, a construção da sociedade ideal.  Em A República, Platão deixa o governo da polis na mão dos mais sábios, ou seja, aqueles que foram preparados intelectualmente para cuidar da res publica.
Embora, a tónica do rei-filósofo seja colocada numa competência mais difusa, que é sabedoria, a ligação ao modo de pensar racional, que de resto caracteriza a actividade filosófica, cruza-se com o agir de forma inteligente para um objectivo.
A segunda questão prende-se com o sempre eterno debate nature vs nurture. A natureza deste conflito é mais geral: procura-se saber se o que determina aquilo que somos é mais do mundo do biológico ou da cultura. Todavia, as diferentes abordagens ao problema da inteligência embateram sempre com os seus factores determinantes, ou seja, aprende-se a ser inteligente ou nasce-se com dom?

Ao longo da história da Psicologia as abordagens e formas de cálculo da inteligência variaram devido a reconfigurações teóricas do conceito.

Em 1904, Alfred Binet foi chamado pelo Ministro da Educação francês para criar um método que identificasse crianças com dificuldades de aprendizagem. Binet engendrou um teste que media a capacidade de raciocínio através de um questionário aplicado a crianças de diferentes idades. A ideia era simples: o grau de dificuldade das perguntas estava relacionado com o grau de conhecimento esperado para determinada idade. Por exemplo: se uma criança de 9 anos respondesse correctamente a todas as perguntas para a sua idade mais três do nível etário acima, seria identificada como tendo uma idade mental de 9 anos e 6 meses (2 meses a mais de crédito por cada resposta correcta acima da idade cronológica).

Entretanto, o questionário atravessou o Atlântico. O teste de Binet foi implementado nos EUA por Lewis Terman, mas com uma nova forma de cálculo. Terman usou o quociente de inteligência,  o famoso QI, obtido pela divisão da idade mental pela idade cronológica vezes 100. Esta fórmula, manteve-se em vigor até 1960, quando foi substituída pelo QI de desvio, em que um resultado individual é comparado com a distribuição de resultados obtidos por uma dada população. O desempenho passa a ser comparado em relação a outras pessoas da mesma idade e grupo (étnico, religião e nacionalidade).

Já nos anos 90, a publicação do controverso livro de J. Hernstein e Charles Murray, The Bell Curve (1994), motivou 50 especialistas a clarificar as suas posições sobre o tema.

Dessa reflexão há bastantes pontos pertinentes para análise, como a definição de inteligência enquanto uma capacidade mental geral que envolve a habilidade para raciocinar, planear, resolver problemas, pensar abstractamente, compreender ideias complexas e aprender rapidamente a partir da experiência; a distribuição dos desempenhos das pessoas ao longo de um continuum representado pela Curva de Gauss; a relação significativa do QI com a educação, ocupação e com o estatuto económico-social; e por fim, o peso de 0.4 a 0.8 pontos (numa escala de 0 a 1) da herança genética na determinação das diferenças individuais, embora com a ressalva da não imutabilidade dos níveis de inteligência de uma pessoa.

Pegando neste condensado final e  regressando a Gardner, fica claro que a sua posição passa por colocar em causa o primeiro ponto - a inteligência concebida como estrutura geral - e pelo afastamento em relação ao segundo, ou seja, a medição da inteligência através da aplicação de testes com o consequente tratamento e representação da informação estatística.

Em campo desenham-se duas propostas que ficarão para uma segunda parte: de um lado, os que vêem a inteligência como uma super-estrutura, do outro, os que a pensam como um conjunto de habilidades. Numa imagem: a chave inglesa em contraste com o canivete suíço.

»» 50 Psychology ideas you really need to konw, Adrian Furnham.

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