No More Takes: Com a bênção dos céus sopram cornetas de júbilo (ou as festas de S. Brás)

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Com a bênção dos céus sopram cornetas de júbilo (ou as festas de S. Brás)


Quem pensa que a vitalidade de uma terra se avalia por indicadores económicos, está não só equivocado, como desatento em relação à realidade social da área metropolitana de Lisboa. A pujança de uma qualquer terriola  vê-se na preservação dos costumes foliões.

Em S. Brás, a festa do padroeiro é a mesma deste que me conheço. O anacronismo não é encarado como algo de insano, a julgar pelas conversas de café soltas no ar. O júbilo da repetição merece aprovação generalizada. Ano após ano, os cartazes em tons desbotados de vermelho repetem-se com as mesmas atracções. O próprio processo de metamorfose urbanística que se regista nesta época do ano, causa pouco ou nenhum espanto a quem vive por aqui. Ao som de uma mantra burlesca e estridente, os prédios de cores insípidas perdem altura, dando lugar a um complexo aldeão redesenhado pela soma das proveniências originais dos habitantes locais. A pequenez de Portugal não se mede pelos metros quadrados que tem o seu território, mas pelo eterno retorno dos seus costumes.
Há quinze anos atrás, o fim-de-semana das festas era motivo de violento conflito interior. Das duas uma: ou ficava barricado em casa a tentar distrair-me do tumulto e do cheiro a farturas, ou juntava-me a mais três compinhas para sentir o pulso ao arraial. Ganhava a curiosidade.

Nenhum de nós estava realmente interessado em ouvir o conjunto Sol&Dó (com um repertório de músicas em sol e dó) que tocava num estrado montado bem no centro do ringue da escola primária. O que nos motivava a entrar na toca do lobo não era o perfume dos couratos.

A aproximação a um alvo perigoso fazia-se por um circuito clássico. Encontro marcado nas escadas da minha rua, duas voltas ao quarteirão limítrofe ao arraial, compra de sumos na barraca mais distante do epicentro musical, e por fim, o estacionamento junto às grades exteriores da escola primária. Montada a emboscada resta a espera paciente do caçador.

No período pré-digital só havia duas formas de saber o paradeiro das pessoas: através do boca-a-boca ou em directo. E como a curiosidade tinha saído vencedora, em directo víamos as miúdas que durante o resto do ano andavam sabe-se lá onde.

Não há nada mais parecido a uma guerra de trincheiras do que a partilha do mesmo espaço por uma alcateia de chavalos imberbes e um grupelho de cheerleaders pseudo-sonsas. As movimentações eram escassas ou coreografadas, de forma a que a aproximação às barracas por membros de cada grupo não fosse motivo para um encontro gélido como a morte. Nestas idades, trocar dois dedos de conversa com espécimes do sexo oposto era equivalente a tentar descobrir água em Marte.
Com o avançar da noite, entre uma coca-cola e um sucol, os versos sobre bacalhau e Mariazinhas com um alho pelo meio tornavam-se inócuos ao ponto do pé bater reflexamente no chão. Chegados a este ponto só resta uma opção: desencostar as costas do gradeamento e desavergonhadamente convidar a miúda dos risinhos parvos para dançar ao som do nós pimba.

Por excesso de vergonha na cara decerto, sempre que desencostei as omoplatas das grades foi para pôr a primeira em direcção a casa. Nem o domingo de manhã podia ser consagrado à análise do filme de véspera, já que a ementa das festas de S. Brás tinha para entrada o coro angelical da missa campal, logo às dez da matina, seguido de uma matinée de foclore. Bendito facebook.

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