No More Takes: Os cruzamentos de Rob Kesseler

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os cruzamentos de Rob Kesseler

Fotografia e coloração de pollen de tulipa feita por Rob Kesseler e Wolfgang Stuppy 


O Público publicou uma entrevista com Rob Kesseler, um professor de cerâmica em Londres no Central Saint Martins College of Art and Design, que nos deixa a pensar sobre as fronteiras do conhecimento e da sua representação. 


Nos últimos meses, Kessler tem passado bastante tempo em Portugal. Tendo em conta os conteúdos que lecciona em terras de Sua Majestade, poderíamos ser levados a crer que estaria a passar uma temporada na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Mas não. A convite da Fundação Gulbenkian, tem desenvolvido um trabalho em colaboração com os cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).


Dentro deste quadro de cruzamento de saberes, apresentou ontem, dia 17, num colóquio internacional sobre Imagens na Ciência e na Arte, a decorrer na Fundação Gulbenkian em Lisboa e organizada pelo Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, uma parte do trabalho que realizou em Portugal.
O núcleo duro da apresentação consitiu  numa instalação que incluiu pratos de cerâmica feitos com base nas suas imagens vegetais, em colaboração com a Vista Alegre.


O que torna o trabalho de Kesseler é interessante é a sua natureza fronteiriça. Nas palavras do próprio: o meu trabalho tem a ver com partilha de saber e com diversas maneiras de olhar para o mesmo material. Fazendo eco destas palavras, no Reino Unido colabora de perto com os cientistas dos Jardins Botânicos Reais de Kew e já publicou alguns livros sobre as imagens e a ciência do mundo vegetal visto ao microscópio.


Ao usar ferramentas quotidianas dos cientistas -  como a  microscopia electrónica de varrimento (scanning electron microspcopy ou SEM), que permite obter imagens 3D muito detalhadas da superfície de objectos microscópicos] ou microscopia confocal (uma técnica particular de microscopia óptica) -, Kesseler vai tentando captar imagens do mundo natural. Melhor, criar imagens que realçam a beleza dos fenómenos naturais. Embora consciente da natureza própria do seu trabalho e das diferenças em relação ao mundo científico, afirma que os seus: objectivos e os dos cientistas são muito diferentes, mas sobrepõem-se: estamos a abordar o mesmo material de direcções diferentes. Porém, somos avaliados de forma muito diferente. O trabalho científico funda-se totalmente na avaliação pelos pares; no mundo da arte é muito mais vago, pode depender do capricho de um crítico - com quem nem temos de estar forçosamente de acordo. 

No intercâmbio destas duas formas de compreensão da realidade, há duas questões relacionadas que emergem: o estatuto da imagem e a representação do real. É certo que o trabalho científico é completamente distinto do artístico. O cientista elabora teorias que se desmultiplicam em hipóteses, que por sua vez são submetidas ao teste empírico. Não haverá teorias certas ou erradas, apenas teorias úteis porque explicam mais factos, produzem mais hipóteses e são mais parcimoniosas. A realidade continuará sempre lá fora, mas se a nossa hipótese resistir aos sucessivos testes, o mundo fica um pouco mais inteligível
Já a arte relaciona-se com o mundo de uma forma diferente. O propósito do artista é transcender a realidade, ou melhor, transfigurar um aspecto do real para provocar um efeito no espectador. 
Mas, e quanto usamos imagens - fotografias, desenhos, ilustrações - para procurar dar apoio a uma explicação científica do mundo? Kesseler, ao ser questionado sobre os processo de criação artística e científica, tem uma resposta peremptória para a discussão desses dois assuntos. Passo a transcrever: 
uma das minhas preocupações, quando comecei a fazer microscopia electrónica de varrimento (SEM) e a colorir as imagens, era a questão de estar a modificar a natureza. Até que ponto é que o podia fazer? Mas depois pensei que, afinal de contas, os cientistas também alteram a natureza para produzir os espécimes que querem nas condições que querem. E, no fundo, eu alterava-os menos: com o pólen, por exemplo, costumo usá-lo fresco, directamente saído da planta. Por vezes fica perfeito, por vezes fica achatado de uma maneira interessante. 

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