Em meados dos anos 90 era um jovem de cabelo rapado e patilhas insípidas com aspirações a guitarrista de banda roque&role rudioso q.b. As camisas XL de flanela aos quadrados caiam desgrenhadas até aos joelhos cirurgicamente à mostra devido ao uso desumano que dava às calças de ganga. Nos pés trazia calçados uns Adidas Samba azuis. Perdi a conta a quantos pares iguais a esse comprei ao longo dessa década (seis, arrisco). Isto era a moda Primavera/Verão. No Outuno/Inverno, a indumentária sofria alterações subtis nas extremidades corporais. Imaginem um gorro preto na carola, luvas azuis sem dedos enfiadas nas manápulas e nos pés, umas botifarras de agricultor compradas na Feira da Brandoa. Vem-vos à cabeça a imagem de um
grunger maltrapilho? Concerteza que julgava aquele glamouroso guarda-roupa como a mais pura expressão de bom gosto. Tenham em conta a aspiração primordial do miúdo.
A possibilidade de gravar cassetes em
fast-forward era o choque tecnológico do momento. O corropio de cassestes passadas entre amigos foi acelerado exponencialmente. Saía da escola, abancava em frente ao mini HI-FI e toca a sacar as letras, os acordes, os tiques vocais, as lições de inglês, enfim, o contacto com uma cultura nova a milhas de distância do Portugal dos pequeninos. Se não estava encafifado no meu quarto com posters até ao tecto, podiam encontrar-me em casa de um amigo endinheirado a ver a MTV. Era com os telediscos que sintonizava a minha postura à cultura anglo-saxónica. Mas nem só de imagens vive um puto. A incursão pela letras começou pelos quadradinhos da editora Abril Morumbi. Entre um número do Homem-Aranha e o
Corvo do Luís Corvo, saltei de cabeça para a imprensa musical. A minha primeira vez foi numa terça-feira. Foi tormentosa, angustiada e intensa, como só uma manchete do
unplugged de The Alice in Chains no
Blitz podia ser.
Foi entre um episódio de
X-Files e o Natal que recebi um discmam, facto que me tornou um chavalo
cool, pelo menos até ao final do ano lectivo (a Apple ao criar mercadorias de design arrojado, cedo deu mostras de presciência. Num mundo tecnológico em constante mutação, o primeiro a comprar o gadget de última geração não é apenas um pioneiro. É muito mais do que isso. É a pessoa mais
cool de um grupo de amigos em permanente comparação social. A evolução foi de
grunger para
geek? Pois, que mais podia ser?).
Mas a que propósito vem a frequência 107.2? Ora bem, um
grunger não nasce
grunger.
Naftalina,
A Hora do Cacete,
Electricidade,
Bónus da Cidade e
Cidade by Night fizeram a primeira parte de um processo de iniciação musical. A
Rádio Cidade,
acantonada numa praceta a uns metros da minha casa, era uma presença omnipresente. Se deus escolhesse a emissora mais eficaz para proselitar as massas, a Renascença seria preterida em favor da Cidade. Os jingles pungentes ecoavam no café, em casa, no táxi, no carro do pai; os autocolantes pretos e vermelhos da pior campanha do mundo até à data - A droga é uma merda - patrocinada pela Cidade figuravam em qualquer tipo de janelas; até chegaram a lançar CDs com compilações dos maiores êxitos do ano corrente. Este acto reflectido abriu a caixa de Pandora, de onde escapuliram os diabólicos Hit Parades. Mas na época, eu gostava. Era um desbloqueador de conversas no recreio, um pretexto para imitações toscas de brasileiros e um manancial da pop mais mastigada e digerida que há memória. O jingle da
Naftelanina ainda hoje me entra no cérebro sem pedir licença. O da
Electricidade arrepia-me.
A fase da revolta, pressão de pares e posterior apostasia à fé citadina foi um processo demasiado comum para merecer qualquer tipo de relevância blogueira. A revolução deverá ter rebentado com a compra dos primeiros Adidas Samba azuis.
Fica como nota de rodapé, o lançamento na passada quarta feira da
Rádio Vodafone FM. Esta nova rádio pode ser ouvida em Lisboa na frequência 107.2 MHz. Uma frequência de memórias ambivalentes.