Adão e Eva após o Pecado Original, portas em Bronze da Catedral de Hildesheim, Bispo Bernward c. 1015 |
Por estes dias, tenho andado de volta do livro de E. H. Gombrich, The Story of Art (Phaidon Press, 1995). Em vez de soterrar o leitor com um corropio de datas, épocas, cânones, Gombrich guia-nos magistralmente pelas salas do museu que construiu ao longo da sua carreira de historiador. A sua erudição e a clareza, tornam a leitura da obra obrigatória para quem se interroga sobre a experiência artística e não saiba muito bem por onde começar. Por todo o livro perpassa um elemento orientador: que para melhor apreendermos as obras de arte, as devemos conceptualizar como criações humanas localizadas no espaço e no tempo. Com isto quero dizer que as soluções a que os artistas chegaram para harmonizar as partes num todo, não são apenas fruto das suas competências técnicas e imaginativas, mas também das crenças partilhadas do seu tempo. Numa tentativa de clarificar os elementos definidores de um estilo ou de uma época, o austríaco naturalizado inglês, estabelece paralelos entre obras, contrasta ideias de diferentes povos sobre a finalidade da arte, enfim, legenda esta primordial tendência humana para representar o mundo.
Mas porque fui buscar a imagem de Adão e Eva? Há primeira vista, o conjunto não parece muito gracioso. As quatro personagens, destacadas sobre um fundo tosco, são retratadas de forma rígida. Conclusão: isto não nos encanta. É precisamente aqui, que Gombrich vem em nosso auxílio com uma pista crucial para um novo entendimento da obra:
"Lembremo-nos do ensinamento de S. Gregório, o Grande, segundo o qual "a pintura é para analfabetos aquilo que os livros são para os que sabem ler."
Agora tudo faz mais sentido. Esqueçamos a desproporção e a fealdade das figuras. Os nossos critérios não são importantes neste momento. O que realmente importa é concentrar a atenção naquilo que Deus fez a Adão e Eva após o Pecado Original. Se lermos o painel da esquerda para a direita, da mesma maneira que um crente o faria na igreja de Hildesheim na Alemanha há mil anos atrás, conseguimos acompanhar, a par e passo, a estória bíblica: Deus aponta para Adão, este para Eva, que por último, culpa a serpente. A origem do pecado é-nos relatada com uma clareza impressionante - sem qualquer palavra escrita tivemos acesso a um episódio marcante do Génesis.
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