Triângulo de Penrose |
O final de Janeiro aproxima-se a passos largos. Ainda ontem, o planeta inteiro festejava a entrada num novo ano. No intervalo da trinca de um rissol, os meus olhos atentavam na alegria da Austrália transmitida por uma qualquer tv generalista. O anúncio da alegria que nos esperava em Portugal, ao fim das doze badaladas, deve ter aquecido a alma dos telespectadores.
Na verdade, as manifestações de regozijo público espantam-me. Quando uma multidão congrega de um objectivo comum, por mínimo que seja, a minha crença no sapiens sapiens pede licença para sair. Mas, não haja dúvida que um salgado sabe melhor quando se vê discursos optimistas regados a champagne. Ao fim ao cabo, sobrevivemos mais um ano.
Por mais arbitrário que seja o limite que determina o fim de um ciclo, o carousel do tempo faz-nos acreditar que a nova voltinha será melhor do que a anterior. Mesmo que o preço do bilhete seja mais caro.
Longe vai essa noite. E o rissol também.
Na última sexta-feira de Janeiro acordo cedo. Não há nada de especial nesse dia, excepto o facto de ser sexta-feira. Rebobino o filme da minha vida para encontrar uma sexta-feira em que o humor estivesse deprimido. Há fotogramas nublados, mas nenhum sinal peremptório de chuva forte. Sexta é dia de pulmões cheios de ar, queixo apontado para o futuro, mangas arregaçadas até às axilas. Se me observasse de fora no decorrer desse dia, pouco havia a registar de diferente. Deslocação até ao café com o jornal debaixo do braço, quinze minutos a pé até ao comboio, já na plataforma, hesitação nas leituras - acabar o capítulo do livro que tenho entre mãos ou rir-me com o Pulido Valente -, chegar à faculdade, para umas horas mais tarde partir para um part-time. O que não é observável para terceiros é o espírito de véspera que me move. Mas véspera de quê? Do fim-de-semana, dos passeios domingueiros, da peregrinação a Belém? Da poltrona rodeada de jornais, um portátil e uma chávena de café? Nada disso me parece suficiente para justificar o estado inebriante que sinto às sextas. Arrisco a hipótese de este efeito de véspera semanal cumprir o mesmo propósito do efeito de véspera anual, que é a passagem de ano: levar-nos a crer, por umas horas, na inevitabilidade do optimismo.
As vésperas são uma fraude. Nos 31 de Dezembro, por volta das 23h59, fico sempre à espera de que aconteça qualquer coisa. Assim, sem mais nem menos, como que por magia. Um big bang, sei lá, ou a minha transformação em abóbora. Mas não.
ResponderEliminar"Tudo é igual, mecânico e exacto."
O sonho e a esperança não trazem mal ao mundo, se esses sapiens sapiens começarem a aprender a lidar com a frustração e a desilusão.
Vês? Eu também tenho esperança.
"Pois não era mais humano/morrer por um bocadinho/de vez em quando/e recomeçar depois/achando tudo mais novo?"
ResponderEliminarE eu, não?